Crise na Ucrânia

Levantamento antigolpista <br> a Sul e a Leste

Populares assaltaram órgãos do poder em grandes cidades no Leste e Sul da Ucrânia exigindo pronunciar-se sobre o estatuto das regiões. O governo golpista ucraniano responde com repressão, apesar da advertência da Rússia sobre o perigo do conflito degenerar numa guerra civil.

Em Donetsk proclamou-se mesmo a República Popular

A tomada de sedes administrativas e de segurança em Donetsk, Lugansk e Kharkiv foram desencadeadas na sequência de acções de massas promovidas naquelas cidades, no domingo, 6. Segundo informações divulgadas por agências, que citam meios de comunicação locais e russos, os manifestantes concentraram-se nas praças Lénin de Donetsk e Kharkiv, e frente à sede dos serviços de segurança em Lugansk, para rechaçarem medidas impostas por Kiev e a legitimidade do executivo dito de transição. Entre outros aspectos, contestam o não reconhecimento do russo como língua oficial e a realização de presidenciais a 25 de Maio na sequência de um golpe de Estado, ao mesmo tempo que reinvindicam o fim da ingerência da NATO na Ucrânia e da influência política e militar das organizações nazi-fascistas no país.

Os protestos assumiram contornos de insurreição contra as autoridades golpistas, com os manifestantes a tomarem de assalto as sedes administrativas e de segurança, a içarem bandeiras russas e a reclamarem a realização de consultas sobre o estatuto das regiões sul-orientais, um primeiro passo autonómico para uma possível, e almejada, ulterior adesão à Federação Russa.

Em Donetsk, proclamou-se mesmo a República Popular e elegeu-se um conselho próprio. Iniciativas secessionistas idênticas ocorreram em Mariupol, próximo de Donetsk, e em Mikolaiv, próximo de Odessa. Na fronteira Sudoeste da Ucrânia, por seu turno, o governo da Transnistria reiterou a separação da Moldávia e exigiu às autoridades de Chicinau que reconheçam a sua independência.

Força bruta

Kiev reagiu aos acontecimentos incrementando a repressão. Para Donetsk, Lugansk e Kharkiv foram enviados contingentes especiais e dos serviços secretos com ordens para reporem a ordem. Só desta última existiam, anteontem, notícias seguras de que Kiev já controlava os edifícios administrativos. Nas outras duas cidades tal não estava confirmado, e em Lugansk circulavam mesmo informações da ocorrência de uma assembleia plenária de proclamação de uma república autónoma. O saldo de feridos e detidos em confrontos entre manifestantes e milicianos e militares afectos a Kiev permanecia em aberto, mas já se contabilizava às dezenas.

Ao uso de força bruta, Kiev acrescentou um discurso a condizer, com o presidente Turchinov a prometer, anteontem, tratar como «terroristas e criminosos» todos os que atentem contra a integridade territorial e a autoridade do Estado na Ucrânia. Nada disse sobre o cerco armado que membros do Sector de Direita mantêm ao supremo tribunal, em Kiev, exigindo que responsáveis do anterior regime sejam banidos de cargos públicos e julgados.

No parlamento ucraniano (Rada), o governo golpista fez aprovar, entretanto, uma proposta de endurecimento do código penal visando delitos contra a segurança nacional e a criminalização dos protestos. A sessão na Rada ficou também marcada por episódios de pugilato entre deputados eleitos pelo Partido Comunista da Ucrânia (PCU) e eleitos nazi-fascistas, que arrancaram da tribuna o líder do PCU, Piotr Simonenko, quando este acusava as autoridades de Kiev de serem indiferentes às reivindicações das comunidades russófonas e de qualificarem de terroristas e separatistas os populares que agora tomam sedes administrativas, algo que rejeitaram quando se encontravam envolvidos no assalto violento anticonstitucional ao poder, notou Simonenko.

Turchinov e o primeiro-ministro ucraniano, Yatseniouk, acusam a Rússia de instigar o desmembramento da Ucrânia, aludindo mesmo a «um plano em que o exército estrangeiro passa a fronteira e invade o território ucraniano».

Moscovo responde exigindo a Kiev que preste atenção às «exigências legítimas» do povo do Sul e Leste, apela à consideração de uma solução federal para o território e ao «cessar imediato de todos os preparativos militares, que arriscam desencadear uma guerra civil».

O Ministério dos Negócios Estrangeiros russo garantiu, igualmente, ter provas de que para além de militares e da Guarda Nacional, que inclui membros da organização nazi-fascista Sector de Direita, Kiev enviou para o Sul e Leste do país 150 mercenários norte-americanos afectos à empresa de segurança privada Greystone. Este dado conjuga com informações que garantem que em Kharkiv a sede administrativa é guardada por homens vestidos de negro, com a cara tapada e sem insígnias.


Imperialismo reage

Face ao levantamento antigolpista nas regiões orientais da Ucrânia, a NATO acusou a Rússia de agravar a situação e fala em necessidade de revisão urgente dos planos de defesa. O presidente da República Checa foi mais explícito considerando que a Aliança Atlântica deve deslocar tropas para a Ucrânia caso Moscovo proceda à anexação do Leste ucraniano.

Além das palavras, os imperialistas norte-americanos anunciaram a deslocação para o Mar Negro de um contra-torpedeiro, substituindo o vaso de guerra que dali saiu a 21 de Março. No campo militar, registe-se, também, que Washington já havia deslocado para as fronteiras da Rússia aviões de combate F-16 e F-15, e reforçado o número de fuzileiros na sua base na Roménia.

No que toca à diplomacia, a Casa Branca ampliou recentemente as sanções a mais três dezenas de políticos, funcionários, empresários e empresas russas, e no âmbito da contra-informação, por estes dias, os serviços secretos ucranianos informaram ter detido 15 indivíduos que, alegadamente, pretendiam levar a cabo actos de sabotagem em Lugansk. Para além disso, acusaram os homólogos russos (FSB) de envolvimento no massacre de 90 pessoas na Praça Maidan, a 20 e 21 de Fevereiro.

O FSB confirmou que um general russo estava em Kiev na altura dos acontecimentos mas para proteger os serviços diplomáticos de Moscovo, e, de passagem, confirmou a detenção, a semana passada, de 25 ucranianos que supostamente planeavam atentados na Rússia.

A tentativa de distorção dos factos a respeito do massacre na Praça Maidan por parte das novas autoridades ucranianas choca com a conversa telefónica, divulgada em Março, entre o ministro dos Negócios Estrangeiros da Estónia e a chefe da diplomacia da UE, Catherine Ashton, na qual o primeiro revela ter relatos fidedignos que indicam que os tiros sobre manifestantes e forças de segurança foram disparados por franco-atiradores do Sector de Direita.




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